A primeira vez que o vi de verdade
Desconhecidos
7/15/20231 min read


Hoje foi a primeira vez que o vi de verdade.
Estava no campo, colhendo lenha para o fogão, quando o vento ficou parado. Nenhuma folha se mexia, e até os grilos silenciaram.
Ouvi o som antes de vê-lo — algo lento, pegajoso, como carne sendo arrancada de um osso. O som vinha de trás, e minha respiração começou a pesar, mesmo sem eu querer. Foi quando percebi o erro: cada vez que o ar passava pela minha garganta, ele parecia mais próximo.
Então o vi.
Entre os pés de trigo, aquela coisa se erguendo, mais alta que qualquer homem.
A pele brilhava, como se estivesse coberta de orvalho, e o que mais me aterrorizou foi a boca — ou o que parecia ser uma boca — aberta em silêncio, mas esticada até o peito, como se pudesse engolir o próprio escuro. Corri. Não rápido o bastante. O som dos passos dele é o pior de tudo, porque são lentos demais. Cada toc no chão me dizia que ele ainda estava vindo, sempre vindo.
Enfiei-me debaixo do celeiro e fiquei ali, deitado no pó, tapando a boca com as duas mãos.
Ele passou bem perto, tão perto que pude ver as gotas caindo da sua pele, formando pequenas poças no chão.
E então, silêncio.
Apenas o som da minha própria respiração, que lutei para prender até quase desmaiar.
Quando finalmente saí, ele não estava mais lá. Mas sei que não foi embora.
Ele não vai embora.
Ele está esperando eu respirar de novo.
— Roland
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