Manchadas de água, ilegíveis em alguns pontos

9/9/20251 min read

Não é um homem. Não é nada que devesse existir.

Hoje à noite ele apareceu de novo. Eu estava escondido, sem respirar, o rosto enterrado no casaco para não fazer barulho. A chuva ajudou — o som das gotas no telhado abafava minha respiração — mas, mesmo assim, ele parou bem na frente da porta.

Ele sabia que eu estava ali. Eles sempre sabem.

A primeira coisa que senti foi o cheiro. Um cheiro de mofo, de coisa parada, como porão esquecido e água podre. Depois veio o som: um estalo molhado, como se algo pingasse do corpo dele a cada passo. Então, silêncio.

Quando criei coragem para olhar pela fresta, vi o contorno da perna dele. Pele brilhando, esticada, parecia feita de borracha encharcada. Vi também os dedos — longos demais, finos demais — arranhando o chão como se estivesse tateando o ambiente.

Ele se curvou ainda mais, o rosto quase no chão, e respirou fundo. O som me gelou por dentro. Era como se sugasse o ar de todo o lugar. Eu juro que senti meu peito se apertar, como se ele estivesse tentando roubar o ar de dentro de mim.

Mas ele não entrou. Ficou ali, imóvel, por um tempo que pareceu uma eternidade. Depois se levantou devagar e foi embora, passo a passo. Não sei se me poupou ou se apenas quer brincar comigo. Talvez seja isso que ele faz: segue, observa, espera que você se perca no próprio pânico. E quando você não aguenta mais... é quando ele finalmente te alcança.

Não respire alto. Nunca."